(Resenha) #11 Terra Sonâmbula

Terra Sonâmbula
Mia Couto
Companhia das Letras
Romance

"Se dizia daquela terra que era sonâmbula. Porque enquanto os homens dormiam, a terra se movia espaços e tempos afora. Quando despertavam, os habitantes olhavam o novo rosto da paisagem e sabiam que, naquela noite, eles tinham sido visitados pela fantasia do sonho."

Minha viagem para o #Livro que se passa em um pais diferente, me levou a Moçambique na África, uma terra de guerra e pobreza, mas muito rica em cultura e tradição.

Temos duas histórias que se alteram entre os capítulos, a primeira narra o presente. O velho Tuahir junto com o garoto Muidinga estão fugindo da guerra e encontram um ônibus queimado na beira da estrada, onde resolvem usa-lo de abrigo, quando entram no "machimbombo" além de corpos carbonizados, que eles acabam enterrando, também encontram alguns diários escritos por Kindzu , Muidinga fica a ler as histórias, intercalando assim com as histórias de Kindzu, no passado.

Muidinga é um garoto muito medroso, mas muito curioso, ele sabe que Tuahir não é seu parente e quer saber sobre seu passado, mas Tuahir sempre evade, diz que é melhor ele nem saber e inventa várias histórias para acalmar a curiosidade do garoto, mesmo assim o garoto vê nele um pai que gostaria de ter. O velho é meio turrão, mas dá pra ver que ele tem um bom coração no começo não gostava quando Muidinga lia cadernos, mas logo era ele quem pedia, pra poder ter alguma diversão no meio daquela terra triste e sem vida.

Kindzu teve uma infância dificil, seu pai e irmãos e morreram, decidiu sair de casa para se tornar um guerreiro Napparama, guerreiros tradicionais, abençoados pelos feiticeiros, que lutavam contra os fazedores da guerra. sua mãe ainda vivia, mas ela pouco se importou com a sua ida. Mas seu pai o acompanhou em sua viagem, o espirito do velho Taímo aparecia em seus sonhos para ameaçar de se tornar seu inimigo no caso do filho deixar a sua origem.Durante a sua viagem encontrou uma moça de nome Farida, ela contou a sua história e pediu a Kindzu procurar por seu filho, ele resolve aceitar seu pedido.

"Entendia o que me unia àquela mulher: nós dois estávamos divididos entre dois mundos. A nossa memória se povoava de fantasmas da nossa aldeia. Esses fantasmas nos falavam em nossas línguas indígenas. Mas nós já só sabíamos sonhar em português. [...] Ambos queríamos partir. Ela queria sair para um novo mundo, eu queria desembarcar numa outra vida." - Kindzu

Conforme Muidinga vai lendo os diários as histórias vamos se misturando e os dois cada vez mais ficam ansiosos para ler os diários.

O livro todo é recheado de tradições, parece que fantasia e realidade se misturam num misto de crenças de sonhos. Uma tradição que não conhecia e fiquei em choque com o fato de tratar como maldição os nascidos gêmeos e suas mães. O caso de Junhito, irmão mais novo de Kindzu, também foi muito triste, a metáfora a cerca da sua transformação no decorrer do livro nos faz refletir porque essa guerra não tem fim?

"[…] tinha que haver guerra, tinha que haver morte. E tudo era para quê? Para autorizar o roubo. Porque hoje nenhuma riqueza podia nascer do trabalho. Só o saque dava acesso às propriedades. Era preciso haver morte para que as leis fossem esquecidas. Agora que a desordem era total, tudo estava autorizado. Os culpados seriam sempre os outros." -Surendra

Mia é Moçambicano, e esse foi seu primeiro romance, antes escrevia poemas, mas digo que este livro é uma poesia, a forma como ele narra e as figuras de linguagem comuns no poemas também estão muito presentes, esse romance é considerado um dos dez melhores livros africanos do século XX.

Recomendo pra quem gosta de conhecer  novas culturas e a história, com elementos de ficção.

Essa voz nos dará a força de um novo princípio e, ao escutá-la, os cadáveres sossegarão nas covas e os sobreviventes abraçarão a vida com o ingénuo entusiasmo dos namorados. Tudo isso se fará se formos capazes de nos despirmos deste tempo que nos fez animais. Aceitemos morrer como gente que já não somos. Deixai que morra o animal em que esta guerra nos converteu. - Naparama