(Resenha) #47 Caim

Título: Caim
Autor: José Saramago
Gênero: Drama
Desafio #47 Um livro com Nome no Título

Não sou do tipo que presta muita atenção no título, no sentido de ter um Nome próprio ou números no título, e os desafios me fizeram reparar nisso. E procurando por livros com Título com nome encontrei vários, inclusive alguns que já li como Carrie e Christine do King, mas fazia tempo que estava querendo ler Saramago e achei um livro do 'homi' com um titulo com Nome Próprio, e então como será que foi a experiência?

(...)Dos escritos em que, ao longo dos tempos, vieram sendo consignados um pouco ao acaso os acontecimentos destas remotas épocas, quer de possível certificação canônica futura ou fruto de imaginações apócrifas e irremediavelmente heréticas, não se aclara a dúvida sobre que língua terá sido aquela, se o músculo flexível e úmido que se mexe e remexe na cavidade bucal e às vezes fora dela, ou a fala, também chamada idioma, de que o senhor lamentavelmente se havia esquecido e que ignoramos qual fosse, uma vez que dela não ficou o menor vestígio, nem ao menos um coração gravado na casca de uma árvore com uma legenda sentimental, qualquer coisa no gênero amo-te, eva. (...)

Saramago conta a história do infame personagem bíblico que cometeu o primeiro assassinato justamente de seu irmão, Abel.  Mas antes de começar a história de Caim, conhecemos um pouco da criação do Homem, mais propriamente da linguagem, a expulsão do paraíso e a criação do jeitinho (que não é só brasileiro), após a morte de Abel, Caim é amaldiçoado e passa a vagar sem nunca encontrar um lugar seu, mas ao mesmo tempo sua vida seria poupada.

Caim chega até a Terra de Nod, onde, em pouco tempo, cai nas graças de uma grande senhora da cidade, Lilith, mas mesmo vivendo em grande conforto ele não consegue ficar no mesmo lugar durante muito tempo, assim volta para a estrada, logo ele nota que ele está andando pelas eras, e presenciando vários eventos bíblicos, como a queda de Sodoma e Gomorra, ajuda Noé a construir a arca, estava lá quando Moisés volta com os Mandamentos, quando Josué derrubou as muralhas de Jericó, etc, etc.

(...)Chorar o leite derramado não é tão inútil quanto se diz, é de alguma maneira instrutivo porque nos mostra a verdadeira dimensão da frivolidade de certos procedimentos humanos, porquanto se o leite se derramou, derramado está e só há que limpá-lo, e se abel foi morto de morte malvada é porque alguém lhe tirou a vida. (...)

Gente, confesso que levei um susto quando comecei a ler o livro, acho que quase todo mundo deve levar XD, eu já sabia que le tinha um estilo diferente de escrever com parágrafos enormes, mas não estava preparada para o que vi, mas foi super rápido de acostumar e a leitura fluiu que foi uma beleza.
O jeito que o autor escreve lembra bastante alguém contando uma história em uma roda de conversas então fica tudo junto: diálogos e descrições,  a escrita vai e volta em pensamentos e explicações, mas por incrível que pareça (e ligando o modo de Atenção) é muito fácil de entender o que está acontecendo.

(...)Quem és tu, perguntou Caim, Cuidado, rapaz, se me perguntas quem sou estarás a reconhecer o meu direito a querer saber que és, (...)

O que mais gostei do livro é o sarcasmo e a ironia profunda, Saramago cutuca bem fundo a bíblia, o conceito de Deus de amor comparando ao Velho Testamento, sempre mostrando o ponto de vista de Caim que se questiona se as 'punições' de deus a várias pessoas é realmente justa, a final quando você destrói uma cidade inteira será que não há pessoas inocentes por ali? E assim vamos acompanhado nosso arrependido protagonista, pelo crime contra Abel, em seu embate contra deus a quem ele condena por atos que ele considera injustiça.

Além de ter me divertido muito com a leitura a ponto de rir alto algumas vezes, eu também gostava bastante quando Saramago usava sua própria voz para falar de estilos de linguagem e literatura como no quote a seguir:

(...)Foi então que josué fez a seguinte ameaça, Maldito seja quem tentar reconstruir a cidade de jericó, morra o filho mais velho a quem lhe lançar os alicerces e o mais novo a quem lhe levantar as portas. Naquela época as maldições eram autênticas obras-primas literárias, tanto pela força da intenção como pela expressão formal em que se condensavam, não fosse Josué a crudelíssima pessoa que foi e hoje até poderíamos tomá-lo como modelo estilístico, pelo menos no importante capítulo retórico das pragas e maldições tão pouco frequentado pela modernidade.(...)

Me identifiquei muito com o livro, porque vários questionamentos feitos aqui são os mesmo que eu faço, eu sou agnóstica, mas acho que todos poderiam ler o livro porque ajuda muito a refletir sobre diversos aspectos sendo a principal: Questionar, não aceitar o que te dizem como uma verdade universal, mesmo assim acho que não é todos que vão conseguir apreciar uma crítica tão ácida.